Em outubro de 2016, fui à Índia pela primeira vez, a trabalho. A reunião principal era em Goa, mas eu precisava depois ir a Nova Delhi, para um compromisso com a chancelaria indiana. Terminado o encontro, sobravam pouco mais de 24 horas antes do voo que daria início à minha longa volta para o Brasil.

Estar na Índia era fascinante. Ficar no quarto descansando, portanto, não era uma opção. Decidi que havia duas possibilidades: conhecer Nova Delhi ou ir a Agra visitar o Taj Mahal. Optei por Agra.

Escrevi sobre Goa em Os Bragança de Chandor, Goa, India. Em retrospecto, é surpreendente que eu até hoje não tenha narrado a ida ao monumento mais famoso da Índia, e certamente um dos mais celebrados do mundo. Devo supor que temi cair no lugar comum. Como dizer algo original sobre um monumento tão célebre, do qual todo mundo já viu fotos, sobre o qual todos têm uma opinião? No Brasil, é o Cristo Redentor; nos Estados Unidos, a Estátua da Liberdade; na França, a Torre Eiffel; na Itália, o Coliseu; na Inglaterra, o Big Ben; na Rússia, a Catedral de São Basílio. Na Índia, é o Taj Mahal. Poucos países têm a sorte de possuir um monumento que os represente visualmente, reconhecido em toda parte como seu símbolo.

Convidei Laura, uma prima de Juiz de Fora que na época morava em Nova Delhi, para ir a Agra comigo. Ela tudo organizou. Contratou um motorista, em meu nome, por intermédio de uma agência de turismo; ele nos apanhou de madrugada em seu carro. Veio conosco, também, um hóspede de Laura, que por acaso fora meu aluno no Instituto Rio Branco.

Eu tinha uma preocupação. Sonolento, vitimado ainda pelo jet lag da viagem que eu fizera poucos dias antes de Brasília a Goa em classe econômica, fui especulando, durante o trajeto de pouco mais de 200 quilômetros de autoestrada, se eu não ficaria decepcionado. Parecia inevitável. Tendo crescido vendo fotos do Taj Mahal, eu só poderia sentir desilusão ao conhecê-lo ao vivo.

Laura planejara um café da manhã indiano em um hotel perto do monumento. Do terraço, tem-se uma vista espetacular sobre o Taj Mahal. Depois da refeição pegamos, na porta do hotel, um trenzinho à disposição dos hóspedes que leva até o portão de acesso ao complexo do mausoléu.

A expectativa de que eu me decepcionaria foi frustrada; raras vezes senti um impacto tão grande. O Taj Mahal é muito mais impressionante ao vivo.

Cecília Meireles, que visitou o país em 1953, incluiu em Poemas Escritos na Índia, publicado no mesmo ano, o poema Taj Mahal, sem medo de narrar sua reação ao monumento. Há nos versos muitas imagens difíceis de esquecer, mas talvez minha predileta seja: “Vêm morrer castamente os bogaris sobre os túmulos”, com seu vago eco de Racine. Na galeria de fotos, cito alguns outros de seus versos.

Como o mundo inteiro sabe, o mausoléu em mármore branco, construído entre 1632 e 1653, à beira do sagrado rio Yamuna, por ordem do quinto soberano do Império Mogol, Xá Jahan, abriga a tumba de sua mulher predileta, Mumtaz Mahal. Em Vislumbres de la India, Octavio Paz apenas menciona o mausoléu. Fala muito mais de seu hotel em Mumbai, chamado Taj Mahal, sobre o qual, entre outras coisas, diz: “Es real y es quimérico, es ostentoso y es cómodo, es cursi y es sublime“. Terá o poeta, ao contrário de Cecília Meireles, sentido a mesmo inibição que eu, evitado descrever um monumento conhecido universalmente? Sobre o reinado de Xá Jahan, Octavio Paz menciona que “Fue un período de esplendor artístico. Sus últimos años fueron de pena y desolación”, em grande parte por causa da perda de Mumtaz Mahal.

A origem do monumento lhe confere uma aura romântica. Noivos se fazem fotografar frente a ele. Em fevereiro de 1992, os príncipes de Gales, ainda casados, visitaram a Índia. Somente Diana foi a Agra, enquanto Charles cumpria compromisso em outra cidade. A foto da princesa sentada sozinha frente ao que é visto como uma celebração do amor pareceu confirmar uma irremediável crise conjugal. Em dezembro do mesmo ano, o casal anunciaria sua separação.

Xá Jahan foi deposto em 1658 por um dos filhos que tivera com Mumtaz Mahal, Aurangzeb. A partir daí viveu prisioneiro no Forte de Agra, onde morreu em 1666. Foi enterrado no Taj Mahal, junto a Mumtaz Mahal. O forte, que é na verdade, por trás de suas muralhas, uma sucessão de palácios, fornece vistas belíssimas sobre o Taj Mahal.

“Mahal” significa “palácio”. Muntaz Mahal quer dizer “a glória — ou a jóia ou a primeira — do palácio”. O sentido de Taj é “coroa”.

Com exceção de Octavio Paz, todos os livros da biblioteca familiar sobre a Índia estão em Singapura. Muitos foram comprados em Agra. Após a visita ao mausoléu e ao forte, voltamos ao hotel, para um lanche antes do regresso de carro a Nova Delhi. Havia ali uma pequena e elegante livraria. Descobri assim haver na Índia editoras que reproduzem clássicos, e não apenas indianos, em fac-símile, com encadernação de couro. Foi uma festa para mim. Comprei livros de autores contemporâneos sobre a Índia e, nas edições em couro, obras de Nehru e Gandhi.

Este ano, em Kuala Lumpur, consegui encomendar da Índia um volume português de 1907, intitulado Memórias Literárias, de um autor chamado Sanches de Frias. Eu sabia que, no capítulo sobre o cunhado de Machado de Assis, o poeta Faustino Xavier de Novaes, ele falava em meu trisavô, Francisco José Corrêa Quintella, o qual, por meio de cartas enviadas do Rio, foi sua fonte principal. Há anos eu vinha procurando algum exemplar junto aos alfarrabistas lisboetas. Pelos meandros habituais à vida, a ida ao Taj Mahal, por causa da descoberta que eu fizera dessas edições na livraria do hotel, permitiu-me, quatro anos depois, entender um pouco mais a personalidade do meu trisavô.

Ao voltar a Nova Delhi, já de noite, pude apenas, antes de ir para o aeroporto, tomar banho, mudar de roupa e fazer a mala. Não sentia cansaço algum.

No primeiro dos três voos que me levariam a Brasília, fui pensando na imensidão do que acabara de me acontecer. Eu estivera no Taj Mahal. Tocara o seu mármore. Entrara no mausoléu. Andara pelos prédios secundários. Vira o Yamuna correndo entre os campos e as árvores. Passeara pelos jardins. Comprara livros.

Sonhara.

Este ensaio é um presente de aniversário para Cora Rónai, afilhada de Cecília Meireles

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12 comentários sobre “Álbum de fotos – Taj Mahal

  1. Ary
    Foi dos lugares mais impactantes q estive
    Ótimo texto
    Abs
    Chicô
    Chicô Gouvêa – Arquitetura
    Rua dos Oitis, nº 40 – Gávea
    CEP.: 22451-050 – Rio de Janeiro – Brasil
    Tel: +55 21 2274-2080

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  2. Excelente seus artigos. Leio-os com prazer e tomei a liberdade de transcrevê-los na revista que edito, http://www.navegos.com.brMuito grato.Seu leitorFranklin JorgeComo faço para enviar-lhe meu livro sobre Proust, O verniz dos mestres/

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  3. Bom dia, Ary,

    Gostei do texto.

    Mas o que mais me impressionou na India foi o Templo Jaina de Mont Abu.

    Quando retornar um dia, vá lá. Fica a 4 horas de carro de Udaipur.

    Beijos,

    Cláudia

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