Um princípio que adoto neste blog é só tratar de livros, filmes, exposições e artistas de que gosto. Por exemplo, todo ano fico na expectativa de assistir ao novo Woody Allen. Pode ocorrer de eu ficar decepcionado, como aconteceu com Café Society. Vale a pena eu analisar o filme? Não creio. É mais útil pensar no que há de satisfatório ao meu redor… e torcer para que o Woody Allen de 2017 seja melhor.
Da mesma forma, com a ArtRio. Espera-se a nova edição com curiosidade e é triste quando a visita agrada menos do que a anterior, como aconteceu comigo este ano. Havia, como sempre, muito Pancetti, muito Di Cavalcanti, muito Cruz-Díez, um ar de pouca novidade. Poucos artistas novos estimulantes e menos galerias estrangeiras.
Há porém outro princípio que adoto, não no Blog, mas na vida, que é o de tentar encontrar mérito mesmo nas experiências intelectuais e artísticas mais frustrantes. Discorrer sobre as razões pelas quais Café Society é um filme decepcionante seria pouco proveitoso. Mais vantajoso é eu apontar o que despertou minha atenção de maneira positiva.
Primeiro, a fotografia cálida de Vittorio Storaro, muito comentada em críticas no mundo inteiro mas não apreciada com unanimidade, como demonstra o artigo de Richard Lawson na revista Vanity Fair, que a descreveu como sendo “cheap-looking period gloss […] oddly lush and intricate and garish for an Allen movie”. Pessoalmente, gostei, e sobretudo dos tons alaranjados dos trechos passados em Hollywood.
Em segundo lugar, fiquei impressionado com a última cena, a mais filosófica do filme. O apreço de Woody Allen pela literatura russa, incluindo Tchekhov, é conhecido. O final de Café Society me comoveu, ao me lembrar o conto A Dama do Cachorrinho, que Tchekhov conclui – como Allen termina seu filme – deixando incerteza no ar. No conto como no longa-metragem, sabemos que os dois personagens se amam mas vivem em cidades diferentes e são casados com outras pessoas, e percebem não haver solução fácil para seu dilema.
Este ano tem sido fértil em filmes sobre a solidão, como As Montanhas se Separam, de Jia Zhangke, e Julieta, de Almodóvar. Anton Tchekhov e Woody Allen nos falam de uma forma de solidão bem específica: a de pessoas que não vivem sós mas são atormentadas porque não podem estar perto da pessoa amada. Ver na última cena do filme de Allen essa alusão, que me pareceu transparente, ao meu conto predileto de Tchekhov foi uma surpresa e redimiu, para mim, as fraquezas do roteiro e de algumas interpretações e o enredo pouco interessante.
Talvez por causa do impacto que me causou o filme de Zhangke Jia, minha obra preferida na ArtRio foi esta foto de Isaac Julien, No Moon Shining, extraída de seu filme-instalação Ten Thousand Waves (onde uma das atrizes, aliás, é Zhao Tao, estrela de As Montanhas se Separam), apresentada pela Galeria Nara Roesler:
Vejam abaixo este detalhe:
É tanta beleza, tanta serenidade, que a questão da solidão não se coloca; devemos supor que a figura humana na foto sente contentamento em estar viva e participar desse cenário.
Gostei também desta natureza-morta de Albano Afonso, apresentada pela galeria ˜Casa Triângulo, que mistura de forma natural o tradicional e o moderno:
Mais até do que do carregador de celular, gostei do detalhe da entrada de teatro no canto esquerdo.
Senti-me feliz diante desta fotografia de Flávia Junqueira, apresentada pela Zipper Galeria:
O espaço vazio ocupado por uma alegria pura não deixa de ser uma parábola sobre a melhor forma de lidar com a solidão.
O atrativo maior na ArtRio 2016, porém, foi o entusiasmo do público… no sábado 1º de outubro, apesar do mau tempo, os pavilhões estavam cheios. As pessoas pareciam interessadas e animadas. Era estimulante estar no meio da multidão, nos corredores. E, como no caso da sessão em que eu assistira Café Society, algumas semanas antes, saí do Pier Mauá pensando que a experiência de ir à ArtRio não fora totalmente satisfatória, mas que perdê-la teria sido uma pena.
Estou pensando em como finalizar este texto, quando leio artigo perspicaz de Adrian Searle, no The Guardian de hoje, sobre a Frieze Art Fair, que está começando em Londres, e caio sobre esta frase: “Art fairs are always like this, the art reduced to the status of stage-prop”. O título do artigo de Searle é: “Everyone’s a performer in the boozy, fruity house of fun”. Ao apontar os ridículos da Frieze, Adrian Searle não deixa de transmitir o ambiente eletrizante na abertura da feira.
E é isto, talvez, o que tenha faltado à ArtRio 2016: mais auto-derisão. Quem sabe, o personagem abaixo, que fotografei discretamente, não tenha sido quem melhor entendeu o espírito que deveria prevalecer na feira de arte? Termino me perguntando se o blog The Sartorialist aprovaria esta foto…
2 comentários sobre “Woody Allen e a ArtRio 2016: o que eles têm em comum”