No Fim do Túnel – Rodrigo Grande

Após ver este estupendo filme, procurei nos jornais argentinos, pela Internet, a reação do público. Encontrei, entre outros comentários, este: “buena película, mantiene el interés hasta el final, recomendable, entretenida, muy bella la chica”. Ri muito com o resumo feito por esse espectador argentino. Pensei também que seria uma pena se a beleza da atriz espanhola Clara Lago desviasse a atenção de sua interpretação como Berta, alma perdida em busca, sem sequer saber disto, de redenção.

O diretor Rodrigo Grande conseguiu, de todos os atores, e não só de Clara Lago, interpretações magníficas, do Joaquín de Leonardo Sbaraglia, ao Galereto – líder de um grupo de bandidos – de Pablo Echarri, passando pelo policial altamente perturbador de Federico Luppi. Até os intérpretes de papéis secundários deixam uma lembrança forte. E o que dizer do personagem canino, Casimiro? Sua existência é determinante para algumas guinadas da trama.

Tudo é bem trabalhado em Al Final del Túnel: além das interpretações, há o roteiro, também de Rodrigo Grande, a fotografia e a direção de arte. Em todas as cenas, há um detalhe que as torna belas ou visualmente impactantes. Em algumas, há um vaso de flores, no canto, que poderia quase passar desapercebido, de tão discreto, só que está lá justamente para completar a imagem, torná-la mais rica. Na cena final, a junção de vários tons de vermelho é belíssima.

Este é um filme cujas referências artísticas são conhecidas e declaradas, inclusive em entrevistas de seu diretor: Poe, Hitchcock, Tarantino… A cadeira de rodas de Joaquín e sua espionagem dos vizinhos são clara homenagem ao Hitchcock de Janela Indiscreta. As cenas de violência – e há uma muito chocante, para a qual o diretor vai nos preparando, sadicamente, durante alguns minutos – remetem a Tarantino.

As influências cinematográficas sobre Rodrigo Grande são muito comentadas pela imprensa; por isso, eu me interessei mais pelo papel importante que ele concede à literatura. A casa de Joaquín é povoada de livros, jogados por toda parte. Apenas dois são focalizados pela câmera: os Contos de Poe e A Ilha do Tesouro (afinal, o tema que conduz a narrativa é o roubo de um banco). Um dos prazeres do filme é ver como Berta, pouco a pouco, vai arrumando as centenas de livros nas estantes; a cada cena, os cômodos estão menos bagunçados e os livros mais bem organizados. Esse detalhe é importante, pois o filme é passado quase todo no interior da casa. Os livros vão sendo arrumados, e o cenário vai ficando mais bonito e, ao mesmo tempo, mais arejado e iluminado. É possível que haja mais de uma parábola nisto. De um lado, os livros, que antes eram uma demonstração de confusão e desleixo, passam a enriquecer, embelezar a vida, dar-lhe serenidade. De outro, o afã de Berta em organizá-los sugere que o amor entre os dois protagonistas está surgindo e crescendo, sem que eles percebam (Berta, ostensivamente, ama outro homem, e percalços da vida tornaram Joaquín um solitário… como já comentei antes, este é um ano farto em filmes sobre a solidão).

Há uma cena muito comovente em que Berta, apesar de todas as evidências em contrário, à luz de sua profissão como bailarina de strip-tease, afirma a Joaquín que a casa de seu pai, no interior, é cheia de livros. Pode até ser verdade, mas não soa crível. O propósito da frase, para Berta, é fazer com que Joaquín a aceite. Os livros, assim, são a forma de aproximação entre os dois protagonistas. A biblioteca – e vale notar que Berta, a bailarina de casa noturna, manuseia os livros, para arrumá-los, e fala neles com respeito, ao mencionar o pai, mas que Joaquín, em sua decadência, não parece se interessar por eles – passa a ser um personagem, que intermedeia a relação dos protagonistas.

Uma homenagem não só a Stevenson e a Poe, portanto, mas aos livros e à literatura como um todo. E mais do que isso: apesar de toda a violência e da perversidade e da crueldade de alguns personagens, este é um filme que fala da beleza da vida, e de como recuperá-la em circunstâncias sombrias.

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No Fim do Túnel – Ficha técnica

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2 comentários sobre “No Fim do Túnel – Rodrigo Grande

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