Haverá atriz mais encantadora, no momento, do que Greta Gerwig? Seria difícil imaginar outra capaz, como ela, de dominar um filme inteiro apenas com seu meio sorriso, suas roupas soltas demais, seu ar inocente e sonhador. Ela faz falta, nas poucas cenas em que seu personagem não aparece em O Plano de Maggie.
Este é um filme fascinante, povoado de livros e de professores universitários em graus variados de neurose, atravessando dilemas divertidos. O personagem de Greta Gerwig, Maggie, é bonita, jovem, inteligente (seu currículo acadêmico é impressionante), eficiente e tem um trabalho de que gosta em uma universidade em Nova York, ajudando alunos do Departamento de Arte a comercializar suas ideias. Trata-se de uma mulher bem-sucedida e que tem a vida toda pela frente. Acredita, porém, que nunca se casará, pois seus namoros não duram mais do que seis meses. Os melhores amigos de Maggie são um casal, Tony (Bill Hader) e Felicia (Maya Rudolph). Logo na primeira cena, ela compartilha com Tony a convicção de que morrerá solteira. Este refuta essa previsão, lembrando que foi seu namorado, na universidade, por dois anos (portanto, bem mais do que seis meses). Maggie concorda, mas comenta que os dois, enquanto namoravam, “made each other miserable“.
Maggie também comunica a Tony o plano de engravidar por meio de inseminação artificial. Ele se oferece para ser doador, mas ela já selecionou outro, um antigo colega de ambos na universidade. A esta altura, temos a impressão de estar em terreno conhecido; só não sabemos se Woody Allen é, para Rebecca Miller, fonte de inspiração ou objeto de carinhosa paródia. O filme, contudo, possui identidade própria e apresenta visão particular da vida.
Talvez minha cena predileta seja uma em que Maggie, em casa, coloca música e dança, enquanto o doador, que veio visitá-la, faz no banheiro o que precisa ser feito para a coleta do… material. Ele é rápido, logo sai do banheiro com o recipiente na mão, e a dança, portanto, dura pouco, certamente menos do que gostaríamos, pois a expressão corporal de Maggie, enquanto se mexe com a música, é particularmente sedutora.
Nossa heroína, ao mesmo tempo em que recebe o doador em casa, está se apaixonando por outro professor, mais velho, da mesma universidade, John, antropólogo ficto-crítico — Rebecca Miller explica em entrevista o que o termo significa — interpretado por Ethan Hawke. John é casado com Georgette, também antropóloga, professora de origem dinamarquesa mais bem-sucedida do que ele. “She has a tenure in Columbia“, ele diz a Maggie, em tom que não parece ser de admiração e carinho. Julianne Moore demonstra no papel de Georgette um talento para a comédia inesperado para mim. Muitas vezes, deixei de ver filmes com ela, apesar de sua irrefutável competência como atriz, por causa do peso dramático de suas personagens, frequentemente intenso demais. Aqui, vemos uma professora universitária ambiciosa, egoísta e frustrada no casamento, mas tudo é colocado com bom-humor e de forma divertida, e Georgette gradualmente vai nos conquistando. A direção de arte do filme parece ter tido particular atenção com relação a Julianne Moore, e seu personagem, em todas as cenas em que aparece, se coaduna perfeitamente com o cenário.
A produção bem-cuidada é, aliás, um dos trunfos do filme, além dos diálogos (o roteiro é de Rebecca Miller, com base em uma estória de Karen Rinaldi) e das interpretações.
Na segunda vez em que Maggie e John se vêem, tão por acaso como da primeira, os dois já trocam confidências e ele conta a ela o quanto é infeliz no casamento. Para não estragar o prazer do telespectador, direi apenas que o filme dá um pulo de três anos e reencontraremos Maggie e John casados e pais de uma filha. Terá início aí um segundo plano de Maggie.
Mais ainda do que no caso de minha resenha sobre No Final do Túnel, tenho de salientar o papel que os livros ocupam em O Plano de Maggie. A casa da heroína é invadida por eles (ela subloca o apartamento de um poeta) e Shakespeare é citado várias vezes, uma delas na rua por um ator vestido com roupa elizabetana e que sofrerá, poucos minutos depois, um revés amoroso. A fugaz aparição desse ator shakespeariano, que não interage com nenhum dos personagens principais, e nem tem nome, ajuda a criar no espectador o sentimento de que vê na tela um pedaço de vida nova-iorquina, e sua cena de alguns segundos, na rua, de dissabor amoroso, reforça o tema principal do filme, apresentado aliás de forma sempre leve: as relações humanas são frágeis e em geral não duram. A mesma mensagem foi apresentada em As Montanhas se Separam mas, como registrei, no filme de Jia Zhangke essa era uma mensagem profunda, filosófica, enquanto que na “comédia de costumes” de Rebecca Miller o tom é divertido e essa realidade -— se realidade for — se torna plenamente aceitável.
Voltemos ao espírito literário do filme dirigido pela filha de Arthur Miller (e como esquecer que o dramaturgo foi casado, antes do nascimento de Rebecca Miller, com outra atriz loura, Marilyn Monroe, diferente de Greta Gerwig mas igualmente sedutora e talentosa?): um livro específico é quase um ator na trama. Trata-se do romance sendo escrito por John. Em parte, é graças a esse romance — onde um dos personagens é “the crazy Brazilian woman” — que Maggie se apaixona. Em parte, é por causa dele que Maggie se vê obrigada a desenvolver seu segundo plano e que Georgette (que em um momento lança um livro intitulado Bring Back the Geisha) participa da estória até o final.
Há uma cena, na casa de Tony e Felicia, em que a câmera focaliza um exemplar de Man and his Symbols, editado por Carl Jung. O exemplar do livro aqui em casa pertenceu aos meus pais:
Não estou certo da mensagem idealizada pela diretora ao focalizar a obra de Jung. Há o fato de que Man and his Symbols — que trata do inconsciente e dos sonhos — usa exemplos extraídos da antropologia e que Georgette e John são antropólogos. Ou estará Rebecca Miller querendo explicitar que seu filme — como um livro de antropologia -—disseca as motivações e o comportamento de um tipo determinado de nova-iorquino, o acadêmico? Naturalmente, pode não haver mensagem alguma.
Na cama, John e Maggie lêem antes de dormir. No caso de John, é The Paris Review que ele segura nas mãos.
O Plano de Maggie é filme para um determinado nicho de mercado: o público que acredita serem os livros objetos — seres? — lúdicos e que avalia terem eles o poder de criar vínculos entre as pessoas. Saí do cinema plenamente satisfeito.
O Plano de Maggie – Ficha técnica IMDb
6 comentários sobre “O Plano de Maggie – Rebecca Miller”